CABINDA, 50 ANOS DE QUÊ?

1975-2025, estamos no final de um ciclo e em breve iniciaremos o quinquagésimo ano da independência de Angola. Independência pela qual milhões de homens, mulheres e jovens angolanos se engajaram nos movimentos, de acordo com a sua conveniência regional. Os jovens pegaram em armas para combater o colonialismo português, a fim de recuperar a sua soberania para fundar a nação angolana e viver um destino comum, livre e autónomo. Mas a que preço?

Por Osvaldo Franque Buela (*)

Foi com milhares de mercenários soviéticos e cubanos que os angolanos e alguns cabindas de um dos movimentos de luta de libertação, neste caso o MPLA, arrancaram a independência através de um golpe forçado às mãos dos portugueses e participaram na mais longa, assassina e terrível guerra civil contra todos os outros movimentos de luta de libertação angolanos, a FNLA, a UNITA e… a FLEC claro, no território de Cabinda.

Nesta fase, é portanto normal que esta seja uma oportunidade para os angolanos e cabindas recomporem tudo, fazerem um balanço do estado geral do país, no campo económico e social, ao nível da paz, da reconciliação, da convivência e perspectivas futuras.

Mais do que uma exigência, é um dever histórico de todos os angolanos e cabindenses, independentemente das crenças ou filiação política, levar a cabo esta reflexão com seriedade, tanto mais que até agora um movimento único sempre governou, e continua a (des)governar o país desde 1975, sem ter conseguido construir uma nação.

Passados 50 anos, o caminho percorrido tem sido longo, tortuoso, destrutivo e sobretudo sangrento, quando sabemos que todas as conquistas, digo bem que todas as ditas vitórias do MPLA, ou pelo menos o que parecem, foram alcançadas pela malandragem e pelo sangue alheio, porque os diferentes lideres que estiveram à frente do MPLA, nunca aceitaram o compromisso, o diálogo democrático, nem o respeito pela diferença

Todas as contas feitas, isso não deve de forma alguma impedir uma reflexão nacional em torno das conquistas, do que deveria ser uma nação, fazer um balanço e projectar um quadro para o futuro. Deste ponto de vista, creio que deveríamos estar bem equipados e preparados para este exercício.

Os angolanos não aceitarão certamente que depois de 50 anos de governação, o MPLA possa fazer a sua própria avaliação da história do país, quando se sabe especialmente que todos os sucessivos governos do regime nunca prestaram contas ao POVO soberano e aliás outro dia um dos dirigentes. da oposição, o economista e presidente do Bloco Democrático, Dr. Filomeno falou sobre este tema dizendo “que se recusa a comemorar os 50 anos de independência sem abordar a crítica situação do país. Ele criticou severamente o discurso do Presidente João Lourenço, discurso musculado que continua a tentar impor ao povo para apenas se manter no poder, através de um diagnóstico do estado do país cheio de imprecisões, distante do “país real” e das preocupações básicas do povo.

Para qualquer cidadão com uma leitura atenta da sociedade, devemos fazer um balanço das liberdades perdidas, da soberania confiscada pelo actual regime, da falta de liberdade que impede qualquer debate livre e democrático, um debate nacional e cidadão, um diálogo desinibido em conformidade com os padrões estabelecidos, pela promoção e respeito das regras de consolidação dum Estado de direito.

Nós, cidadãos livres, devemos reflectir sobre as consequências da guerra, promovendo a paz social que tanto falta no país, promovendo uma onda de patriotismo comprometido com a reconciliação nacional, com o desenvolvimento económico, social e harmonioso do país e não se contentar com simples celebrações.

Sobre a democracia e a convivência, o MPLA em 50 anos de governação não conseguiu pôr em prática a construção e consolidação de uma nação plural, sabendo que o país é um conjunto de povos e territórios, que com o tempo deveriam formar uma nação sob uma influente e esclarecida liderança.

A história prova suficientemente que o MPLA não pode arrogar-se o direito de escrever sozinho a história do país e colocar-se acima de outros movimentos perante a lei, é tal como os outros, um movimento de luta de libertação nos mesmos moldes da FNLA e da UNITA, incluindo a FLEC numa determinada dimensão.

Como tal, ele não pode impor sozinho uma versão única dos 50 anos de história do país; esta impostura deve agora ser combatida com a maior severidade intelectual, política e cultural, porque o país é plural.

Seria ainda um grande sapo para milhões de nós engolirmos, continuarmos a acreditar e aceitarmos como tal, um pai único da nação angolana, uma nação que não conseguiram construir.

A história do país contada pelo MPLA é uma farsa histórica que devemos recusar e deixar que apenas historiadores neutros restaurem uma narrativa consensual no seu contexto, e que não se torne obra de propagandistas do MPLA.

Ainda é inconcebível do meu ponto de vista, e certamente do de milhões de outros concidadãos, acreditar que Agostinho Neto, Jonas Savimbi, Holden Roberto, Nzita Henriques Tiago não sejam considerados na mesma categoria e no mesmo título, como heróis da luta de libertação de Angola. Que direito e que monopólio teria o MPLA para nos impor figuras históricas apenas das suas fileiras?

Não podemos construir a história de um país, de uma nação através de mentiras e malandragens, mas sim através da aceitação da diferença e da diversidade de opiniões políticas e culturais do mosaico de povos que constituem a identidade do país.

Este tema da reflexão dos 50 anos constitui, e deve ser o ponto fulcral de uma reflexão nacional. E se por um lado os angolanos estão melhor equipados e preparados para fazer uma avaliação real das suas conquistas democráticas, o que dizer dos Cabindas?

Aos Cabindas, gostaria de dizer do fundo do coração que se devemos continuar a existir como povo, para não dizer como nação, o que ainda não somos preparados de se tornar, devemos pôr de lado todas as nossas divisões e disputas estéreis, dar o nosso tempo e sentarmos juntos para fazer um balanço.

O campo de perguntas sem respostas é amplo e rico o suficiente para corrigir o que deu errado e tirar definitivamente lições do passado para um futuro melhor.

Nunca analisámos as razões da fuga dos dirigentes da FLEC em Novembro de 1975, apesar de terem um escritório em pleno funcionamento em Cabinda, aberto por Nzita Tiago em 1974 no seu regresso da prisão de São Nicolau.

Temos o dever de transmitir, de explicar aos jovens as razões deste fracasso e de todos os outros acontecimentos que se seguiram, por exemplo, de 1975 a 1985, 1995, 2010, 2016, 2021 e 2024

As razões do fracasso e da queda do quartel-general da FLEC pela operação “vassoura” onde os soldados angolanos chegaram a encontrar quantias de dinheiro em dólares, o que causou esse fracasso, e quais foram as consequências das represálias sobre as populações civis? Certas feridas desta época ainda são incuráveis em muitas famílias Cabindas.

O que causou os múltiplos fracassos das primeiras reuniões inter-cabindesas no Gabão, Namíbia, Pointe-Noire, Holanda, Paris, etc… e o que mais?

Que lições retiramos do ataque contra a selecção do Togo em Cabinda e que foi de alguma forma um ponto de viragem decisivo na trajectória decadente da FLEC-FAC, e da proliferação de múltiplos movimentos que reivindicam o nome de FLEC?

O que ganhámos com o surgimento da associação cívica de Mpalabanda, com as vozes da Igreja Católica de Cabinda, com as suas acções cívicas, com as suas iniciativas políticas, com as suas relações com a FLEC?

O que ganhámos com o desaparecimento de Mpalabanda e o que aconteceu às suas figuras lendárias? São caminhos de reflexão que, na minha opinião, podem cimentar a consciência dos nossos jovens.

Será que as figuras lendárias, tanto da FLEC, como da associação cívica ex-Mpalabanda, da igreja, poderão partilhar as suas experiências com a juventude para que o futuro seja mais promissor e melhor orientado para o nosso futuro?

Num contexto mundial à beira de uma terceira guerra mundial, onde a Rússia embarcou-se na ocupação e divisão dos territórios da Ucrânia, que por sua vez beneficia do apoio de todo o Ocidente, por meios militares nunca mobilizados, poderão os Cabindas aspirar à mesma ajuda e nas mesmas condições do direito internacional?

Num contexto mundial em que atrocidades são observadas e cometidas aqui e ali, em Israel, Palestina, Líbano, Irão, a FLEC-FAC ainda pode liderar uma guerra e beneficiar do mesmo apoio, ou mesmo que tenhamos apenas o direita escolher o nosso destino, livre da ocupação militar angolana?

Será que a guerra de libertação pelas armas, tal como está a ser conduzida hoje, ainda é viável, ou deveríamos curvar-nos à integração forçada e permanecer em silêncio?

Este é o preâmbulo da primeira parte da minha reflexão sobre os 50 anos de ocupação, cuja segunda parte estará centrada na base de minhas convicções e visão para uma solução, embora não detenha o monopólio da verdade…

Que Deus abençoe Angola e Cabinda.

A integração forçada que vivemos não é uma fatalidade, para um povo que aspira à liberdade. Devemos transformá-lo num lugar de emancipação pela força da razão, diante daqueles que acreditam na razão da força.

(*) Refugiado político, França

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